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segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ode Marítima


Estar convosco na carnagem, na pilhagem!
Estar orquestrado convosco na sinfonia dos saques!
Ah, não sei quê, não sei quanto queria eu ser de vós!
Não era só ser-vos a fêmea, ser-vos as fêmeas, ser-vos as vítimas,
Ser-vos as vítimas - homens, mulheres, crianças, navios -,
Não era só ser vossas almas, vossos corpos, vossa fúria, vossa posse,
Não era só ser concretamente vosso acto abstracto de orgia,
Não era só isto que eu queria ser - era mais que isto o Deus-isto!
Era preciso ser Deus, o Deus dum culto ao contrá­rio,
Um Deus monstruoso e satânico, um Deus dum panteísmo de sangue,
Para poder encher toda a medida da minha fúria imaginativa,
Para poder nunca esgotar os meus desejos de identidade
Com o cada, e o tudo, e o mais-que-tudo das vossas vitórias!

Texto: Fernando Pessoa (Obra Poética, vol.2, Círculo de Leitores, Lisboa, 1987, p.172)
Arte: Mr. Brain Wash

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