quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Entrevista com Alberto Lins Caldas
1. O que significa para você ser um escritor em um país que vive em um abismo cultural e educacional, onde o analfabetismo total e o funcional são fatos consumados?
absolutamente nada! não considero q ser analfabeto seja índice de nada negativo em si, mas sempre pro mundo do trabalho. ser alfabetizado sempre foi uma questão fundamental pros donos do trabalho, pros patrões, pra formação dos trabalhadores. quanto mais limpinhos (daí a medicina, a biologia), educadinhos (daí as pedagogias), alfabetizadinhos (todos os métodos do mundo), mais bem localizadinhos (daí todas as engenharias), mais dóceis, melhores trabalhadores. por isso essa não é uma questão minha, mas do estado, da nação, da indústria e suas funções.
também por isso não sou escritor. o escritor é mais um funcionário, mais um produtor de mercadoria fina pros letrados e pros senhores dos letrados (seja a igreja, seja o estado, seja o leitor). uma espécie de masturbação de luxo. não miro, não quero melhorar nenhum pais, nenhuma nação, nenhuma língua, nenhum povo: sou contra qualquer país, sou contra o brasil.
também não vejo nenhum “abismo cultural”. esse abismo existe apenas para qualificar mais e melhor os servos pro trabalho. na vida as pontes são criadas e destruídas o tempo inteiro. não é o “abismo” q impede a leitura principalmente porq a leitura jamais foi “liberdadora”, mas tão somente mais um mecanismo de dominação, um agenciador de menores e um leão de chácara dos maiores.
a literatura é uma arma provisória de enfrentamento do horror, desse horror da vida do trabalho.
2. Fale sobre seus livros e sobre a gênese de cada um deles?
meus livros sempre foram o q denomino “enfrentamento do horror”. são armas de guerra contra a grande estrutura do horror (o país, a língua, o povo, o estado, a região, a religião, a escola...). e por ser uma mina múltipla, um vírus, uma arma contra algo eles nascem de um enfrentamento fora do tempo e do espaço: são vírus pra contaminarem fora desse momento e desse lugar: quem fica parado é poste. não me cabe fazer o papel de historiador, jornalista ou sociólogo. a literatura brasileira é perfeita nesse servilismo fundamental. quando é um enfrentamento não é jamais um documento, um índice, um sintoma, mas uma doença, uma insatisfação, um contra-lugar, um contra-tempo. como vão vivo nem viveria de literatura (capachos de poderes q camuflam sempre com uma escrita inocente), não preciso escrever pra leitores, pra editoras, pra livrarias. faço livros como quem cria contradições, cria nós, soltas bombras no meio da rua. qualquer coisa q pareça o contrário disso não é minha literatura.
e em tudo o q exerço minha “visão de mundo” exerço como um deslocado, um ser estranho q vive pra minar o existente, o institucional, o estabelecido: jogo pra quebrar as regras, por não poder estar em outro lugar, outro tempo: aqui e agora é o campo e o momento da luta. por isso não pertenço a nenhum lugar, seja cidade, região, país ou mundo. escrevo como respiro: contra o horror.
3. O que você pensa a respeito dos prêmios literários e da política editorial?
a literatura brasileira nasceu como “projeto imperial” e “projeto republicano”: é uma oligarquia de cento e cinqüenta anos, feita por letrados pra letrados, sempre dentro de cânones estatais, nacionalistas, regionais, localistas, mentindo sempre serem universais (q é o mesmo q ser europeu!). uma literatura capacho e mentirosa q nada enfrenta. não passa das letras dos agregados das casas grandes, dos comércios, das lojas do século xix.
os “prêmios literários” são mentiras pra manter uma corrente de mentiras q faz parecer valer o valor, mas o q vale mesmo é a proximidade (com oligarcas, com grupos, com porções de poderes, com a norma, com as mercadorias). medem apenas os círculos de poder da oligarquia das letras (literatura brasileira, letrados). quanto a “política editorial” é o mesmo da literatura brasileira. a oligarquia das letras enquanto sistema q inclui todos os letrados como cães de guarda da língua, do estado, da história e da nação, só pode fazer uma “política” essencialmente anti-literária, isto é, a favor de uma literatura já estabelecida em todos os seus campos, onde qualquer “novidade” é apenas uma nova mentira.
4. Qual é o centro para o qual converge seu trabalho literário?
sempre parte de um enfrentamento do horror. e converge pra essa mesma ação. por isso não é mimética como toda a literatura brasileira.
é literatura contra a literatura brasileira e tudo q ela representa, contra todas as forças q sustentam ela e dela emanam. por isso é literatura sem centro e sem periferias. é jogo livre de forças contra o horror. um desmantelar as naturalizações e universalizações duma língua q não consegue soltar o colonizador, o patrão, o papa, o senhor das costas.
5. O que é a alma, para você?
absolutamente nada! o corpo e seu momento é o q existe. o corpo e seus jogos de criação de si mesmo e do mundo. o corpo em suas forças, em seus afetos espinosianos, nietzschianos, deleuzianos. alma é um dos conceitos metafísicos próprios dos valores estabelecidos. no meu campo de luta esse conceito é um dos meus inimigos.
6. E a vida?
toda prática e toda teoria q tem a vida como princípio esconde um mecanismo simples: salvar vidas, conservar vidas, manter vidas, defender vidas: valorar a vida tem uma função estratégica e tática, serve pralguma coisa (antes de significar ele serve de algo, serve a algo: ele significa pra servir: é teórico pra ser prático): valorar positivamente e salvar pra trabalhar, se reproduzir, consumir, servir: a escravidão, a exploração, as produções: vida q não trabalha, não se reproduz, não consome, não serve, não é a vida defendida (ou é forçosamente defendida: por extrapolações forçadas: a significação, nesse momento, parece ser essencial: a teoria supera a prática, o sentimento supera o operacional) por medicinas, filosofias, morais, políticas, educações.
toda vida perigosa pra manada não é respeitada, mas eliminada, torcida até servir, silenciada até aceitar. a máquina tribal (ocidentalidade) precisa apenas de vida dócil (ou vida indócil é gerada e insuflada por vários meios quando “necessário”, no mínimo pra ficar como “exército indócil de reserva”). a idéia vida é noção “nazista”, tipicamente cristã-capitalista: mantemos, cuidamos, protegemos, curamos, alimentamos, educamos – pra q isso produza as produções, produza os consumos, produza as reproduções, e sirva: a máquina tribal faz e “sempre” fez o elogio profundo da vida, a prática radical da vida, reflexão necessária da vida pra salvaguardar os poderes, as forças necessárias da máquina tribal.
7. Qual foi o primeiro livro lido por você que foi realmente decisivo ao ponto de modificar sua visão do mundo?
não vejo nenhum livro com esse poder. o q pode é o enfrentamento contra os poderes e seus silenciamentos. os livros fazem parte do horror, são instrumentos do horror, repetições do horror. todos os livros q li faziam e fazem parte do meu enfrentamento contra o mundo, contra os outros, contra o horror. não sou nem jamais fui leitor pra aprender alguma coisa, mas pra discordar, discutir, avançar, ir sempre além do seu campo estacionário.
Alberto Lins Caldas é Mestre em História (UFPE) e Doutor em Geografia Humana (USP). Escritor, ensaísta e professor do Departamento de História da Universidade Federal de Rondônia-UFRO. Publicou os livros Oralidade, Texto e História (Loyola, São Paulo, 1999) e Nas Águas do Texto (2001) sobre História Oral; Litera Mundi (Edufro, Porto Velho, 2002) e Oligarquia das Letras (Terceira Margem, São Paulo, 2005) sobre literatura e literatura brasileira; Babel (Revan, Rio de Janeiro, 2001) e Gorgonas (Companhia Editora de Pernambuco, 2008) que são livros de contos, e Senhor Krauze (Revan, Rio de Janeiro, 2009) que é um romance. Colabora em várias revistas literárias e blogs de literatura e arte. É editor da revista on line Zona de Impacto, especializada em Teoria da História, Literatura, Filosofia, Educação e Arte.
Publicado por Marcelo ArielMarcelo Ariel é membro da Resistência Literária Armada, e está pronto pra derrubar o sistema
Fonte: http://www.tremaliteratura.com
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terrorista nato
ResponderExcluirAchamos o macunaíma!
ResponderExcluirAnti herói da literatura brasileira!
Imagino quantos idiotas vão comprar os livros dele prá poder citá-lo nas rodinhas "cult".
Ele é igual a todos! Marketing é tudo!
anônimo, és igual a qualquer um desses idiotas ao combater à ele. Viu? É simples comparar os indivíduos. É simples julgar.
ResponderExcluirEu também julgo, e sabe qual é o meu julgamento encima desse cara? É de que ele consegue comer a puta mais gostosa da bocada com o troco que ganha dos que compram o livro dele. Quer chamar isso de marketing? mais que certo, essa entrevista pode facilmente ser uma estratégia mercadológica. Sendo ou não, eu prefiro enchergar ele como um cara que realmente conseguiu dominar esse sistema sujo. Escrevendo pra quem quiser ler quão suina é a parada e ainda tirar um trocado disso.
E claro é obvio que ele é igual a todos, tu não és? Eu sou, tenho cabeça torso e perna, por mais que falte um cotoco de dedo aqui e um miolo ali somos todos iguais sangue bom.
Paz